Jogos Eletrônicos e Psicologia
Artigo publicado no site Psico.online em dezembro de 2021.
Imagine o seguinte cenário: você decidiu experimentar um jogo online dito gratuito que te permite contatar outros jogadores online e entrar para grupos específicos (clãs ou uniões). Depois de estabelecido em um desses grupos e já parte integrante das rotinas, vem o confronto, geralmente em arenas e combates de grupos ou um a um. E seu grupo sempre perde esses confrontos. Até que seu líder determina que há uma maneira para obter recursos para derrotar seus adversários: gastar dinheiro obtendo itens únicos, obtidos por meio de um recurso conhecido como loot box ou caixa de saque.
Você gasta e adquire uma caixa. Mas, como os itens que lá vem são totalmente aleatórios, não vem nada que possa ajudar seu grupo. Aí gasta de novo. E de novo. E de novo. E o item que acabaria de vez com a disputa ainda não vem.
Para muitas pessoas a incerteza de se obter o item desejado é o suficiente para caracterizar as loot boxes como um jogo de azar. Consequentemente, passível de criar vício no jogador. E aí o jogo “gratuito” de torna uma fonte sugadora de dinheiro e o que antes era uma diversão se torna algo que provoca uma intenção de gastar e viciar. De maneira geral são vários os fatores que levariam a uma dependência psicológica, mas o principal deles é mesmo a cobiçada loot box e a aquisição do tão sonhado item que permitiria vencer seus oponentes e estar em primeiro lugar nos rankings internos.
Isso já provocou muita polêmica e discussão, que culminou no último mês de abril, quando o Ministério Público acatou o pedido da Ação Civil Pública da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) contra diversas empresas de games para que as loot boxes fossem consideradas como item viciante e proibidas de serem vendidas no país.
E isso não conteceu apenas aqui. Em outros países, como Holanda e Bélgica, já há leis que impedem que os desenvolvedores promovam essa aproximação dos jogos online com os de azar. Apesar disso as empersas se adaptaram da melhor forma, buscando maneiras diferentes para lidar com a situação.
Para os críticos do assunto as loot boxes são consideradas parte do ciclo de compulsão do design do jogo para manter os jogadores investidos em um jogo. Esses loops de compulsão são conhecidos por contribuir para o vício em videogames e são frequentemente comparados ao vício em jogos de azar. Isso se deve em parte ao uso de uma "programação de reforço de taxa variável" semelhante à forma como as máquinas caça-níqueis distribuem os prêmios.
Por que as loot boxes fornecem uma compulsão tão sombria? Os psicólogos chamam o princípio pelo qual trabalham na mente humana de 'reforço de taxa variável'. "O jogador está basicamente trabalhando para obter uma recompensa, dando uma série de respostas, mas as recompensas são entregues de forma imprevisível", disse o Dr. Luke Clark, diretor do Centro de Pesquisa de Jogos da Universidade de British Columbia.
"Sabemos que o sistema de dopamina, que é alvo de drogas de abuso, também está muito interessado em recompensas imprevisíveis. As células de dopamina são mais ativas quando há incerteza máxima, e o sistema de dopamina responde mais a uma recompensa incerta do que a mesma recompensa entregue em uma base previsível. "
Ansiedade
Embora muitos jogadores possam nunca investir dinheiro do mundo real em uma loot box, tais sistemas viciantes podem trazer grandes investimentos monetários, com jogadores dispostos a gastar grandes quantias de dinheiro em itens virtuais. As preocupações aumentam em jogos que oferecem loot boxes para crianças. O recurso também alimenta a ansiedade social em torno do "medo de perder", já que alguns itens aleatórios podem estar disponíveis apenas por um tempo limitado, e os jogadores estarão mais inclinados a gastar dinheiro para não perderem esses itens.
Alguns argumentaram que o aumento do uso das loot boxes em jogos ocorreu devido à percepção de que o ato de abrir essas caixas ser um elemento excitante tanto para o jogador quanto para aqueles que assistem ao jogador em vídeos pelo YouTube ou por transmissão ao vivo, criando uma série de fluxos de vídeo de vários milhões de assinantes exclusivamente dedicados a abrir essas caixas de pilhagem.
O NPD Group, dos Estados Unidos, que monitora as vendas de videogame, diz que para os jogos lançados até setembro de 2017 não houve nenhum sinal de mudança na compra do consumidor, positiva ou negativamente, em jogos que incluíam esse recurso. Segundo a entidade o NBA 2K18, que havia sido criticado por jogadores por seu sistema de loot boxes em seu lançamento em setembro de 2017, acabou como o jogo mais vendido na América do Norte naquele mês.
Outra entidade do meio, a Juniper Research, estimou que o mercado global de videogames, avaliado em cerca de US$ 117 bilhões em 2017, deve crescer para cerca de US$ 160 bilhões até 2022, impulsionado apenas pelo uso crescente dessas caixas, principalmente na China. Por esse motivo, alguns desenvolvedores veem o recurso como um meio essencial para monetizar os jogos, sabendo que sempre haverá jogadores dispostos a comprá-los, mesmo que a maioria não o faça.
No caso dos jogos móveis, a situação pouco muda, não porque se trate de um menor investimento por parte dos jogadores, mas sim pelas compras opcionais. A grande maioria dos jogos para celular usa um formato de distribuição freemium, onde a maior parte do conteúdo é acessível gratuitamente, mas um investimento em microtransações pode acelerar o progresso, melhorar a experiência ou até mesmo fazer acessível algum conteúdo, embora esteja disponível no jogo, é extremamente ou requer muita de sorte sem que o jogador coloque dinheiro real. De um modo geral, a compra simples de um passe de batalha de um pacote inicial já libera praticamente todas as ferramentas para que o jogador médio possa se divertir sem nunca ter que colocar dinheiro de volta no jogo.
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