História Monstruosa
O estudo de criaturas cuja existência ainda não foi comprovada é controverso desde suas origens. Porém, já ajudou a retirar da obscuridade animais que já estiveram no imaginário popular e que hoje são reconhecidos como raros. Seria esta pseudociência de real utilidade para identificar espécies pouco conhecidas?
Com certeza, o leitor já ouviu falar de criaturas fantásticas como o Monstro do Lago Ness, o Yeti, o Verme da Mongólia ou mesmo o famoso Chupa-cabras. O que poucos sabem é que há uma ciência (ou melhor, pseudociência) que insiste em classificar essas criaturas não apenas como espécies em real estudo como vai atrás de outras que, em tempos antigos, eram consideradas produtos da imaginação de marinheiros ou viajantes, e que possui uma história conturbada, cheia de altos e baixos.
A criptozoologia, como se convencionou chamar esses estudos e pesquisadores, cuida de obter informações desses e de outros animais considerados lendários. Sua denominação vem do grego kryptos ou (escondido), que dá o sentido de “estudo de animais ocultos ou não conhecidos”. Em outras palavras, todo animal que é considerado lendário ou não existente pela biologia tradicional entra neste campo, sendo ou não fantástico.
O curioso é que esta modalidade não trata apenas de unicórnios, dragões e outras criaturas que acostumamos associar a histórias e contos de fadas. Os dinossauros, por exemplo, que todos sabem que existiram, também estão aqui inclusos. Outros tipos de animais que são estudados por estes pesquisadores incluem os selvagens que se localizam fora de sua área geográfica normal, como o avistamento de panteras negras no sudeste da Alemanha em 1989.
Pesquisadores como o norte-americano John Percy Moore (1869-1965) afirmam que a criptozoologia “varia de pseudociência a uma gama de estudos úteis e interessantes, dependendo de como é praticada”. Ele nota também que não é “estritamente uma ciência” e que “muitos cientistas e céticos a classificam como pseudociência a ponto de não haver muitos artigos publicados em revistas científicas sobre o assunto, não existirem cursos para uma formação oficial de especialistas ou empregos para que as pessoas possam estuda-lá”.
Há livros que definem os criptozoologistas como “os últimos românticos”, já que estes insistem em se aplicar a encontrar pistas sobre criaturas tão diversas, como os dragões, por exemplo, que podem ter tantas definições semelhantes em várias culturas diferentes. Os animais que são estudados por eles são chamados de crípticos, do inglês cryptids, termo introduzido pelo pesquisador norte-americano John E. Wall num informativo da Sociedade Internacional de Criptozoologia, em 1983.
INVENÇÃO
A criação do termo criptozoologia é atribuída ao zoologista belga-francês Bernard Heuvelmans na década de 1950, embora ele próprio tenha atribuído sua origem ao explorador escocês Ivan T. Sanderson. Em seu livro de 1955, “On the Track of Unknown Animals” (“Na Trilha de Animais Desconhecidos”), o pesquisador também diz que tal denominação teria vindo do zoologista holandês Anthonie Cornelis Oudemans e de sua pesquisa, datada de 1892, intitulada “The Great Sea Serpent” (“A Grande Serpente do Mar”). Heuvelmans argumentou em vários escritos que a criptozoologia deveria ser enfrentada com vigor científico, mas também com a mente aberta e um enfoque interdisciplinar. Destacou que muitas fontes preciosas para suas pesquisas estavam nas lendas urbanas e histórias locais que falavam de criaturas, pois, por mais que tais relatos estivessem mergulhados em elementos fantásticos, continham verdadeiros “grãos” de verdade e informações sobre organismos não descobertos.
O trabalho do escritor científico alemão radicado nos Estados Unidos, Willy Ley, também é indicado como uma fonte preciosa dentro da criptozoologia. “Exotic Zoology” (“Zoologia Exótica”, 1959) exibe o treinamento em paleontologia que este autor recebera, o que o possibilitara a escrever vários livros sobre animais. Nessa obra, ele discute a validade de alguns tópicos polêmicos, como o Yeti, as serpentes marinhas e várias espécies de dinossauros. A obra levanta, ainda, a possibilidade de algumas criaturas fantásticas, como o unicórnio, o sirrush (uma espécie de serpente de quatro patas encontrada no Portal de Ishtar, na Babilônia, data do século VI a.C.) e até os ciclopes, serem baseados em criaturas reais e que suas reproduções sejam resultado de erros de interpretação de animais ou de seus restos.
Campos e Crípticos Bernard Heuvelmans nasceu em Lê Havre, no noroeste da França, em 1916. Obteve seu doutorado em zoologia em Bruxelas quando tinha apenas 23 anos. Em 1938, começou a compilar sistematicamente relatos e artigos que não mereciam a atenção da zoologia tradicional. “On the Track of Unknown Animals” foi publicado originalmente em dois volumes em 1955 e traduzido para cerca de vinte línguas.
Não contente com os resultados, o pesquisador ainda fundou a Sociedade Internacional de Criptozoologia em 1982, em Washington D.C. para servir de centro de pesquisas para documentar e avaliar provas ligadas a esse tipo de animal. Seu emblema oficial era a figura do Ocapi, nativo das florestas úmidas do nordeste da República Democrática do Congo, e que foi conhecido pelos habitantes locais apenas em 1901. A entidade encerrou suas atividades em 1998 devido a problemas financeiros e manteve um site ativo até 2005.
A influência de Heuvelmans no setor foi importante como uma espécie de “filósofo da ciência”, pois nunca questionou a verdadeira natureza da criptozoologia, por isso é considerado como uma das fundações da moderna metodologia usada tanto nessa área quanto nas mais tradicionais. Depois de sua morte, em 2001, foi estabelecido em Lausanne, na Suíça, um arquivo em sua homenagem, que possui a maioria dos registros conhecidos no campo dos animais desconhecidos.
Assim, a critpozoologia é oficialmente dividida em dois campos principais. O primeiro lida com as criaturas mais conhecidas por mitos e analisa de dragões a sereias. Os que atuam nesse segmento consideram a premissa de haver algo real por trás de cada história. No segundo, o objetivo do estudo é analisar animais que as pessoas hoje acreditam ter se extinguido ou que ainda não foram descobertos. Os crípticos foram importantes para o que hoje se define como uma espécie de renascimento dessa modalidade, já que os pesquisadores que a ela se dedicam caminham no que se convencionou chamar de “fronteira da zoologia tradicional”.
Os crípticos, por sua vez, são divididos em quatro tipos:
1) Animais não identificados. Espécies que não podem ser categorizadas de acordo com qualquer sistema zoológico existente, como o Pé Grande e o HomemMariposa. 2) Animais potencialmente extintos. Organismos considerados como já não existentes, dentre eles algumas espécies de lagartos. 3) Animais idênticos a tipos já conhecidos, exceto por uma ou outra característica, talvez devido a mutações ou com parentescos de duas ou mais espécies diferentes. 4) Animais conhecidos localizados em lugares incomuns, como o já citado exemplo das panteras negras na Alemanha.
ANIMAIS REECONTRADOS
Entre as espécies cuja existência foi confirmada por esses pesquisadores há pelo menos três casos famosos:
Celacantos - Peixes abissais que, quando localizados em 1938 na África do Sul, foram considerados de início como fósseis vivos. Sua característica mais importante é a presença de barbatanas pares que são semelhantes aos membros dos vertebrados terrestres e que se movem da mesma maneira. esse animal era considerado como um parente próximo do primeiro vertebrado a sair das águas, que teria dado origem a um novo grupo de vertebrados conhecidos como tetrápodes, que inclui os humanos. Foi tido como extinto até ser redescoberto numa época em que já se conheciam cerca de 120 espécies de Coelacanthiformes. Sabia-se que todos esses peixes estavam extintos desde o período Cretáceo. hoje já se conhecem populações na costa oriental da África do Sul, ilhas Comores (no Canal de Moçambique) e na Indonésia.
Rinoceronte de Java - Pertence ao mesmo gênero do rinoceronte indiano e possui as mesmas características de seu parente mais conhecido. difere principalmente no tamanho, pois é menor que o indiano, e possui placas dérmicas menos desenvolvidas, com chifres menores e por vezes ausentes nas fêmeas. apesar de sua população reduzida, acreditava-se que também havia se extinguido, já que o último exemplar em cativeiro morrera em 1907 no zoológico de adelaide, na austrália. originalmente estava espalhado pelas ilhas de Java e Sumatra, chegando até a Índia e a China. hoje é encontrado apenas em duas áreas de proteção, uma na ilha de Java, na Indonésia, e outra no Vietnã.
Dragão de Komodo - Descoberto em 1912 na ilha da Indonésia de mesmo nome. É conhecido pelos nativos de Komodo como “buaya darat” (crocodilo da terra) ou “biawak raksasa (monitor gigante). É a maior espécie de lagarto conhecida, chegando a atingir de 2 a 3 metros de comprimento e 70 kg de peso em média (alguns exemplares chegam a 135 quilos). É de longe o maior réptil vivo.
OS DEFENSORES
Os criptozoologistas, apesar dos problemas que enfrentam para desenvolver sua profissão, continuam insistindo que os exemplos de animais por eles descobertos (vide box) são suficientes para continuarem suas pesquisas. Há quem ataque essa pseudociência, alegando que ir atrás de criaturas como o Pé Grande ou o Homem-Mariposa só incita a imaginação das pessoas, que esperam assim ver algo parecido com os efeitos especiais de um filme de ficção científica, o que não parece incomodar esses pesquisadores, que preferem continuar suas pesquisas baseados em números: na crença de cientistas tradicionais, estima-se hoje que ainda haja cerca de 15 milhões de espécies animais ainda desconhecidas pelas áreas tradicionais. E dão como exemplo a Lula Gigante, que até 2005, quando um exemplar foi capturado em filme por um fotógrafo japonês, era considerado apenas produto da imaginação de pescadores.
ESPÉCIES OU MITOS?
Outro ponto interessante defendido pelos criptozoologistas é que os casos de espécies consideradas como tipo pela comunidade científica tradicional são vários, o que não diminui a validade de seu trabalho. Um outro exemplo é a existência dos Gorilas das Montanhas, considerados como folclore ou mito até sua confirmação, em 1902. O próprio Okapi, símbolo da Sociedade Internacional de Criptozoologia, também era tido como um mito.
Se eles ajudaram a descobrir tantas espécies, por que há muita relutância por parte dos cientistas tradicionais? O que realmente atrai a atenção do público é a possibilidade de se conhecer (ou pelo menos assim pensam) espécies imaginárias. Um exemplo disso é o Dragão, que aparece até mesmo em citações da Bíblia. Enquanto lá é apresentado como símbolo do mal, na China, por exemplo, é símbolo do bem, da paz e da prosperidade.
Durante o século XVI, muitas pessoas acreditavam que o dragão existia. O naturalista suíço Konrad Gesner montou listas com três tipos de dragões num trabalho de seis volumes sobre o mundo animal. Um era descrito como uma serpente gigante com asas, outro era do mesmo tipo, mas um pouco menor, e o terceiro, uma criatura com corpo de serpente, asas membranosas, uma cabeça com chifres e garras.
Os criptozoologistas afirmam que os dragões eram dinossauros que foram capazes de sobreviver mais do que os outros porque teriam aprendido a voar. Quando começaram a morrer deixaram para trás uma imagem que foi passada para diferentes culturas.
Outro nome que atrai a atenção do público e dos criptozoologistas é o Monstro do Lago Ness, na Escócia. A origem tradicional de tal criatura remonta há mais de 10 mil anos, quando, durante a última era glacial, as geleiras teriam formado o maior lago de água doce, com uma extensão que mede 36 quilômetros de comprimento, 2,4 quilômetros de largura e, em alguns lugares, atinge 300 metros de profundidade. Quando o degelo começou, a terra que surgiu formou o Lago Ness. Os descendentes dos animais que foram para o lago, quando este ainda era ligado ao mar, passaram a viver num ambiente novo e modificado.
Em 565 d.C., um homem que por lá nadava morreu em circunstâncias misteriosas. Santa Columba, da Cornuália, Inglaterra, foi até o local pouco tempo depois e encontrou homens que carregavam o corpo. Foram eles que disseram que o falecido havia sido atacado por um monstro.
A santa mandara ao rio uma companheira para atrair a atenção da criatura, que surgiu das profundezas das águas e avançou contra ela. Columba teria feito o sinal da cruz e ordenado que o monstro fosse embora em nome de Deus. De acordo com um texto escrito um século depois por Santo Adamnam, a fera, ao ouvir a voz da santa, voltou-se para o lago e fugiu até desaparecer de novo em suas profundezas.
Embora o relato não descreva o monstro e lhe dê um comportamento diferente daquele associado à Nessie, nome que tal criatura teria ganho com o passar dos anos, esse é o primeiro caso historicamente comprovado que cita sua existência. Ao longo dos séculos, outros apareceram, mas curiosamente são as autoridades modernas que questionam tais histórias. A crença popular diz que o lago possui kelpies, seres malignos que mudam de forma e que em geral tomam formato de cavalos para atrair visitantes a cavalgá-los e assim entrar na água para afogar suas vítimas. A ligação entre essas criaturas e monstros como Nessie é obscura, mas chama a atenção o fato de que se trata de criaturas ligadas à água. O auge da fama do monstro aconteceu durante a década de 1930, quando os moradores da região do lago apareceram com depoimentos próprios sobre as aparições do monstro. A imprensa começou a falar do monstro em agosto de 1930 quando o jornal “Northern Chronicle” noticiou sobre três moradores locais que pescavam no lago viram o que foi definido como “uma comoção a uns 500 metros acima do lago”. Um deles viu um borrifo de água subir a uma altura considerável. O monstro aproximouse do barco e se virou para o sul, num semicírculo. As testemunhas disseram que devia estar nadando a uma velocidade de 15 nós.
A notícia atraiu cartas de leitores, publicadas na edição de três de setembro, que haviam visto pessoalmente ou que conheciam pessoas que avistaram o tal monstro. Em abril de 1933, próximo de Abriachan, uma aldeia a noroeste do Lago Ness, um casal passava de carro quando viu uma massa enorme se deslocar no lago. Descreveram um animal enorme que mergulhava na água. Até outubro daquele mesmo ano surgiram os outros outros relatos que deram origem ao formato que hoje tem Nessie.
Por fim resta falar de um críptico que vem chamando cada vez mais as atenções dos pesquisadores: o Chupa-cabras.
O primeiro relato de um ataque aconteceu em março de 1995 em Porto Rico. Nele, oito ovelhas foram encontradas mortas, cada uma com três marcas de dentes na área do peito, todas completamente sem uma única gota de sangue. Alguns meses depois, em agosto, uma testemunha, Madelyne Tolentino, disse ter avistado uma criatura na cidade de Canóvanas, onde cerca de 150 animais de fazenda e de estimação foram encontrados mortos da mesma maneira. Algum tempo antes, em 1975, mortes semelhantes aconteceram na cidadezinha de Moca e foram atribuídas ao “Vampiro de Moca”. As mortes atuais foram atribuídas a algum culto de magia negra, mas mais tarde, quando outras ocorrências semelhantes aconteceram ao redor da ilha e muitos fazendeiros relataram mortes de animais, as autoridades locais começaram a repensar o assunto.
O nome Chupa-cabras é atribuído ao comediante e empresário, Silvério Pérez. Logo depois outros relatos de mortes semelhantes começaram a chegar, vindos de países como República Dominicana, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Panamá, Peru, Brasil, Estados Unidos e México.
A descrição mais comum de tal criatura diz que tem aparência de réptil, com pele em tom cinza e espinhos em suas costas. Mede aproxiNessiemadamente de 1 a 1,2 metros e pula como um canguru. Pelo menos um dos relatos altera sua altura para seis metros, com aparência canina ou de pantera, uma língua bifurcada e presas enormes. Testemunhas afirmam que se ouve o silvo da criatura de longe e que, quando ela passa, deixa um rastro com um cheiro que se assemelha ao enxofre.
Se criaturas como estas existem mesmo ou não, só nos resta conjeturar. Se os criptozoologistas conseguiram, de fato, localizar espécies que antes pensavam estar extintas, quem não garante se conseguirão provar a existência de Nessie ou do Chupa-cabras? Resta-nos apenas desejar boa sorte e esperar que mais um capítulo dessa longa história seja escrito.