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A História dos Donner

Um grupo de pioneiros tem direito a recorrer ao canibalismo numa situação extrema? Estes exploradores ficaram marcados para sempre como um dos mais inusitados casos desta prática



Em 1972 o mundo acompanhava atônito o relato de 16 uruguaios que saíram vivos de um acidente de avião que os obrigou a praticar canibalismo para poderem sobreviver. Desde então o assunto, que já era considerado um dos mais graves que o ser humano pode debater, se tornou um verdadeiro tabu e muitos discutiram a validade de se apelar para tal prática numa situação extrema. Dos 29 sobreviventes, 13 morreram ao longo dos dias em que o grupo ficou preso nos Andes, o que gerou um relato lançado em livro por um deles, o uruguaio Pablo Vierci.

O que a maioria das pessoas não sabe ou desconhece é que o episódio dos sobreviventes dos Andes não foi o único que ficou registrado. Em 1846 os moradores da cidade de Springfield, no estado norte-americano de Illinois, foram convencidos por dois de seus membros, George e Jacob Donner, a juntar seus pertences e partirem em busca de um cenário que os ajudasse mais em seu desenvolvimento. Era a época das grandes peregrinações de pessoas pelo território dos Estados Unidos, ainda cheio de perigos naturais e de tribos de índios que ofereciam perigo constante aos pioneiros.

O grupo, composto de 81 pessoas entre homens, mulheres e crianças, partiu em direção à Califórnia querendo encontrar terras férteis e trabalho. A liderança coube aos Donner e o grupo passou a ser conhecido pelo nome deles. Porém, quando estavam chegando ao local que seria seu destino final,uma nevasca caiu com força. Com vontade de chegarem logo, eles cometeram a imprudência de tomar um atalho e sair da rota principal que levava até a Califórnia. E isso selou seu destino. Quando chegaram aos pés da Sierra Nevada, a tempestade de neve se tornou tão intensa que eles simplesmente não puderam avançar mais.

Recentemente o canal Discovery fez, em seu programa Ressecrevendo a História, uma recriação das circunstâncias que o grupo dos Donner enfrentaram. Segundo os poucos relatos que eles conseguiram apurar em documentos históricos, o grupo ficou isolado até fevereiro do ano seguinte e tinham apenas como mantimentos feijão, picles e alguns condimentos. O resultado disso foi catastrófico: sem ter como caçar carne fresca, mais de 40 pessoas morreram de fome e foram enterradas ao longo da estrada. O programa conseguiu encontrar, ao longo da rota do atalho tomado pelo grupo, vestígios de ossos e fogueiras que tentaram analisar para tirar conclusões, mas infelizmente não conseguiram encerrar o assunto. Isso porque aqueles que sobreviveram acabaram revelando que só o fizeram porque tomaram a mesma decisão que anos depois atormentaria os sobreviventes dos Andres: apelaram para o canibalismo.

Segundo o programa, as vítimas que morriam naturalmente eram pessoas adultas e já idosas. A carne era cozinhada com os condimentos e distribuída para os membros mais jovens do grupo para que eles conseguissem ou alcançar ajuda ou completar a travessia, apesar das toneladas de neve que cercavam a região onde estavam. É claro que não se trata de uma prática bem vista por todos. Para corroborar a situação, ainda há testemunhos de viajantes que estiveram no local após a partida do grupo (que nem sempre ficava no mesmo ponto, mas se mantinha na mesma região) e que teriam visto pedaços de ossos humanos espalhados pelo acampamento. Os sobreviventes, porém, negaram veementemente o fato. O programa da Discovery de fato encontrou restos de ossos próximos dos buracos feitos para abrigarem as fogueiras, mas eram muito pequenos e nem sempre é possível confiar no material extraído deles.

Polêmica

Há muitos descendentes daqueles que conseguiram escapar dessa armadilha do gelo. Porém o assunto nunca foi admitido ou discutido por eles com ninguém da imprensa (afinal, ninguém quer ser conhecido como descendente de um canibal). Porém a polêmica foi reaberta com um estudo realizado pela Universidade do Oregon próximo ao lago Alder, um dos lugares onde os Donner ficaram. Lá foram encontrados em tempos recentes (embora não se tenha certeza da data exata) fivelas de metal (como as usadas em cintos), restos de louças, latas, garrafas de álcool e até joias. E foi lá que os fragmentos de ossos foram encontrados. Um deles, do tamanho de um dedo, tinha duas marcas de cortes iguais às feitas por caçadores para retirar a carne dos ossos de animais.

Para a arqueóloga responsável pela pesquisa, Julie Schablitsky, que também deu depoimento para o programa da Discovery, “Aparentemente, o osso é humano, o que faria dessa a primeira evidência de que houve canibalismo”. Ainda há muito o que fazer para provar se houve ou não canibalismo, pois deverá haver uma comparação com o material genético dos descendentes das famílias para saber se aqueles restos são de ossos de vítimas. Dentre os descendentes, os mais novos teriam já concordado em realizar esses exames para acabar de vez com os boatos que circulam sem parar e que incomodam suas vidas modernas. Diz Julie: “Há um pouco de resistência (dos mais velhos), pois não acreditam que os familiares tenham comido a carne de amigos e parentes mortos, mas ao mesmo tempo eles querem ver tudo esclarecido”.


O Diário dos Donner

Para aqueles que acreditam que possa haver um mistério neste episódio, vale a pena acessar o site The Donner Party (www.donnerpartydiary.com). Lá é possível verificar mapas da rota, fotos dos participantes do grupo e até mesmo trechos de um diário que narra os acontecimentos vividos por eles em seu campo gelado. As imagens chegam a impressionar e os próprios exploradores da Discovery ficaram impressionados com o espírito de perseverança dos pioneiros que passaram aqueles dias no local. Mas será mesmo que houve canibalismo? Confira abaixo um trecho do diário e verifique por si mesmo.

“Sábado, seis de fevereiro de 1847

Nevou mais rápido que na noite passada e hoje do que neste outono todo e ainda continua sem que haja um vento para interferir. As pessoas de S.W. Murphy ou Keysburgs dizem que não podem comer peles. Queria que tivéssemos o sufiente delas. A senhora Eddy está muito fraca.

Do outro lado da montanha a primeira leva continua sua jornada para o leste: ‘a jornada de 6-7 dias viajando a 15 milhas (cerca de 24 quilômetros) continua sendo feita em condições ruins antes de chegarmos ao acampamento começou a chover e ficou assim dia e noite”.


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